Reforma Tributária e contratos empresariais: o que muda na prática?

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e a recente edição da Lei Complementar nº 214/2025 marcam uma ruptura significativa no sistema tributário nacional.

A substituição de tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS por CBS e IBS inaugura um novo ciclo de incidência fiscal, com repercussões que vão além da contabilidade ou da área fiscal: atingem diretamente a lógica jurídica e econômica dos contratos empresariais.

Embora muito se fale sobre simplificação tributária, o cenário que se desenha é mais complexo: uma carga possivelmente maior para certos setores, regimes diferenciados que ainda serão regulamentados, e uma transição que pode se estender até 2033. Em meio a isso, surge um ponto que não pode ser ignorado: a nova estrutura de tributação impacta cláusulas contratuais essenciais, e a inércia pode gerar riscos jurídicos e financeiros severos.

Boa parte dos contratos empresariais em vigor (especialmente aqueles de longo prazo, com vigência superior a 12 meses ou valor significativo), foi construída sob uma lógica tributária que deixará de existir.

E o problema não está apenas na eventual elevação da carga tributária.

O verdadeiro impacto está no descompasso entre a realidade tributária futura e os parâmetros econômicos que sustentam esses contratos.

A lógica do ISS, por exemplo, com alíquota menor e cumulatividade, será substituída por um modelo não cumulativo, com alíquota estimada em 26,5%. O que parece uma troca técnica é, na verdade, uma mudança estrutural no custo do serviço, que afeta diretamente os contratos.

E, diferentemente de um aumento pontual de insumo, esse custo decorre de uma alteração legislativa de ordem pública, o que, na minha visão, abre espaço para pedidos de revisão, reequilíbrio ou até rescisão contratual, dependendo do caso.

Além disso, a base de incidência dos novos tributos é muito mais ampla. O novo sistema tributará não apenas bens e serviços tradicionais, mas também direitos e utilidades econômicas, acabando com a distinção técnica que, por anos, alimentou discussões sobre o conceito de serviço e a exigibilidade de ISS. Na prática, empresas que até hoje operavam à margem da tributação poderão ser alcançadas e os contratos que firmaram sem considerar essa nova realidade precisarão ser revistos.

Assim, considere que em um contexto tão instável quanto o da transição tributária, cláusulas que antes eram apenas boas práticas, como as de reajuste tributário ou equilíbrio econômico-financeiro, passam a ser instrumentos fundamentais de proteção jurídica.

Contratos que preveem valores fixos, sem margem para recomposição de preços ou repasse tributário, tornam-se vulneráveis. E quando esse tipo de cláusula está ausente ou mal redigida, o risco se amplia: a empresa pode ficar exposta a litígios, inadimplência e até perda de margem em razão de um custo novo que não foi pactuado com clareza.

  • contratos com cláusulas de preço atreladas à carga tributária vigente (que agora deixará de existir como parâmetro estático);
  • contratos que preveem incentivos fiscais vinculados ao ICMS, cuja extinção progressiva exigirá reestruturação das obrigações e garantias;
  • contratos com cláusulas de desempenho ou metas baseadas em margens que podem ser impactadas pela nova carga tributária.

Não se trata apenas de uma readequação terminológica ou de incluir uma nova cláusula padrão. É preciso revisitar as premissas econômicas do contrato e entender como elas se sustentam (ou não) diante do novo sistema tributário.

a) Contratos de tecnologia, SaaS e licenciamento de software

Problema: com o fim da distinção entre bens e serviços, contratos que tratam software como “mercadoria” ou “serviço” precisam ser revistos para adequar a forma de tributação, cobrança e repasse.

Ajuste recomendado: reorganizar os termos do contrato para refletir o novo modelo de tributação ampla (sobre utilidades econômicas), prevendo regras claras de repasse da CBS/IBS e ajuste automático em função da carga tributária aplicável.

b) Cláusula de preço com base em “valor líquido de impostos”

Problema: essa expressão, comum em contratos de fornecimento, presume uma carga tributária conhecida e estática. Com a mudança para o modelo de CBS/IBS, essa premissa perde validade, já que as alíquotas, bases de cálculo e possibilidade de crédito serão diferentes.

Ajuste recomendado:

Redação que permita revisão do valor sempre que houver alteração no regime de tributação aplicável ao objeto contratado, seja por mudança na lei, extinção de tributo, instituição de novo tributo ou modificação relevante da carga fiscal.

c) Cláusula de repasse de tributos “nos termos da legislação vigente”

Problema: essa formulação genérica pode gerar insegurança sobre quem suporta a nova carga tributária. Isso pode levar a conflitos entre contratante e contratado sobre se o preço já inclui os novos tributos ou se o valor será reajustado.

Ajuste recomendado:

Definição clara de que quaisquer tributos incidentes sobre o objeto do contrato, inclusive os instituídos após a assinatura, serão automaticamente repassados ao contratante ou ensejarão revisão proporcional do valor contratual.

d) Cláusula de incentivos fiscais regionais (ex: ICMS com redução ou isenção)

Problema: com a extinção gradual do ICMS até 2033, contratos que se sustentam em benefícios fiscais perderão sua base econômica e podem se tornar inviáveis sem uma previsão contratual de recomposição ou renegociação.

Ajuste recomendado: inserção de cláusula de “revisão extraordinária” que permita renegociar ou extinguir obrigações atreladas a incentivos fiscais suprimidos ou modificados por força de lei, com base na teoria da imprevisão.

e) Cláusula de reajuste automático com base em índices econômicos apenas (ex: IPCA)
Problema: embora importante, a correção monetária não contempla os impactos estruturais da reforma tributária, como o aumento da carga para setores de serviços, tecnologia, entre outros.

Ajuste recomendado: inclusão de reajuste complementar por eventos fiscais relevantes, com previsão de metodologia ou gatilho contratual para revisão (ex: aumento superior a X% na carga tributária incidente sobre o objeto do contrato).

f) Ausência de cláusula de equilíbrio econômico-financeiro

Problema: sem essa cláusula, a parte mais onerada pode não ter base jurídica contratual para pedir revisão. Isso aumenta o risco de litígio ou inadimplência.

Ajuste recomendado: previsão expressa de que mudanças legislativas ou regulatórias que alterem substancialmente os custos das partes autorizam renegociação contratual, com possibilidade de mediação, arbitragem ou outro método de solução amigável.

g) Contratos com “cláusula de silêncio tributário” (sem qualquer menção a encargos fiscais)

Problema: em muitos contratos comerciais, especialmente em parcerias informais, não há qualquer previsão sobre o tratamento de tributos. Com a reforma, esse silêncio pode gerar interpretações distintas e litígios.

Ajuste recomendado: inclusão de cláusula específica tratando do tratamento tributário das obrigações contratuais e da responsabilidade pelo pagamento ou repasse de tributos diretos e indiretos, inclusive CBS e IBS.

Nesse cenário e diante de todas essas consequências, o que estamos observando é que há um risco silencioso que poucos estão considerando: o aumento da judicialização, ou seja, o aumento de processos judiciais envolvendo discussões contratuais.

Quando uma parte do contrato não consegue mais arcar com o custo da prestação, seja por aumento de carga tributária, seja por perda de incentivo fiscal, a tendência é a busca por renegociação. Quando essa negociação falha, o caminho natural é o litígio.

A reforma tributária, portanto, traz um elemento novo de instabilidade contratual, que pode afetar relações estratégicas e a reputação da empresa. E a melhor forma de evitar isso não é esperar a regulamentação final ou o início efetivo da cobrança da CBS e IBS. É agir agora.

A própria incerteza normativa que ainda cerca a reforma justifica medidas preventivas.

Esperar por clareza total para só então agir é uma escolha que pode custar caro, especialmente quando se trata de contratos com alto valor agregado.

O movimento que se impõe às empresas é claro: tão importante quanto entender o novo sistema tributário é adaptar juridicamente os contratos a essa nova realidade. Isso exige uma abordagem coordenada entre os departamentos jurídico, fiscal e financeiro — e, em muitos casos, o redimensionamento de estratégias comerciais.

Mais do que uma medida de conformidade, trata-se de um esforço de governança contratual. Não revisar os contratos agora é correr o risco de operar no escuro, com base em premissas que já não refletem a realidade jurídica e econômica vigente ou a que virá nos próximos meses.

A Reforma Tributária inaugura uma nova lógica de tributação no país e, com ela, uma nova lógica contratual. Empresas que atuarem proativamente na revisão dos seus instrumentos contratuais estarão melhor preparadas para enfrentar a transição, evitar litígios e preservar sua posição econômica em um cenário de mudança.

Para evitar riscos contratuais e preservar a estabilidade dos seus negócios, vale adotar medidas objetivas desde já:

  • Mapeie os contratos em vigor, especialmente os de longo prazo ou com impacto fiscal relevante;
  • Revise cláusulas críticas, como preço, repasse de tributos, incentivos fiscais e equilíbrio econômico-financeiro;
  • Busque orientação jurídica especializada para adequar seus contratos ao novo ambiente tributário com segurança e estratégia.

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